burburinho na estação. eu em busca do trem que me levaria a mendes rio. um vulto. era Você. meus ágeis olhos já não podiam te acompanhar. pernas ansiosas querendo boca gulosa. juregela era o destino que procuravas. que importa. minha mãe fez fígado e eu odeio fígado. só meu cachorro me ama. sigo-te e quero ser a tua verdadeira cachorra. o vagão era comprido demais para desejos instantâneos e delirantes. cigarro e uma aliança no dedo. chamo-te, lambo-te ou te arranho? juregela está ai e nada. tudo. juregela está ai e com ela aquela gaivota. e tudo que sei é latir. mas não importa. juregela está ai e com ela a gaivota a rondar o trem. diz-me que não gosta de voar. diz. seguro a tua mão no infinito e voas pra junto da gaivota. tento não latir. em vão. um vagão. um coração. uma consolação: esqueço que bilhete de trem só dá direito à passagem.
derelictione
"Respiro e persigo uma luz de outras vidas"
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
Descortinada
Abro
os olhos e a sua ausência me perturba. Perturba ainda mais o diacho dessas
cortinas fechadas. Mas que calor é esse?
Roberto me pediu encarecidamente que não pusesse relógios no quarto – é
antiquado – e eu, como não resisto a um pedido seu, retirei. Pelo visto são 10
horas, pois estou banhada de suor, e geralmente fico enovelada com Roberto em
dia de domingo até umas 9 horas. Mas onde ele foi? Será que foi ao banheiro,
será que está preparando o nosso café? Será? Prefiro acreditar até irá nevar
agora ao imaginar que tenhas me deixado. É impossível! Somos um casal feliz, tá
na cara! Não, não! Eu me rendo! Há um tempo temos nos desencontrado. Parecia
que eu estava sempre correndo à frente, enquanto que ele andava aos solavancos.
Mas todo casal tem disso, não? Sim, claro, mas quando acontece, é um sinal que
o diálogo deve reinar. Esquecia, Roberto
esquecia também ou parecia esquecer que o sinal estava amarelo, não vermelho,
nem verde; mas amarelo, pálido, vai ou fica. Mas o diacho dessas cortinas
fechadas sempre me faziam pular as ruas, e resultado era o quarto verde,
acelerado, pois se esmorece, o vermelho já se instalava.
E ele? Também tem uma parcela
de culpa nesse caos todo, e eu não irei carregar esse fardo sozinha. Ah, mais
não vou mesmo! E aquele discurso pronto do “tudo bem”, “discutimos amanhã”, “é
impressão sua”, “só tenho olhos pra você, amor”, hein? Diz-me? Confiei tão
fidedignamente às suas palavras que não vislumbrei o não-dito, o além delas, e
a cegueira foi a minha melhor amiga.
10:45, 10:52, não importa
mais, já estou ensopada mesmo. A sua fragrância ainda está incrustada no meu
cabelo moreno. Ainda vem? Foi aprontar o almoço? Ele não deve esquecer que comecei
minha dieta, não pode. Mas porque não deixou o diacho das cortinas abertas?
Assim veria ele lá de baixo vindo da padaria com o pão e aquela manteiga...
quinta-feira, 27 de junho de 2013
lamacenta
E em meio a
tudo isso que me causaste, quero apenas um desejo: tornar-me água, tornar-me
sua familiar, parte integrante, um todo. É isso mesmo, água é vida, é viva, é o
caminho para toda essa seca que me assola.
Se eu fosse
água, deusa reinante dos estados físicos, moldar-me-ia, sem medo, a qualquer
condição, emoção, frustração, perdição, tesão, tensão...
Imantada de
solidez, fixar-me-ia numa relação afetiva e dela não sairia aos tropeços, aos
pedaços, derrotada, pois um bloco compacto não cria buracos.
Líquida, seria
eu mais adaptável, versátil a qualquer motim emotivo, correndo, escapando,
desviando para brechas quando o perigo viesse à tona.
Mas também
desejo o vapor imediato, espalhador de sorrisos e abusos.
Fluidez essa disposta
(e respeitada) a rondar qualquer ambiente e sair dele multiplicada, sedenta,
leve.
Sólida,
líquida, gasosa... Tridimensional, triplica, tríade... Não importa, só quero
sentir intensamente as suas moléculas em meu corpo.
Palh(aço)
Outro dia, outra cidade, só não o
amor.
Outra piada sem graça e o
sentimento da dor.
Só malabarismos de um palhaço sem
cor.
Que se mostrou ser de aço sem
antes mostrar que penou
Pra manter viva a palha que enfim definhou
Palhacim
Maquilagem gera anonimato, é isso
que importa
Nariz vermelho, tênis bicudo e o
velho discurso do lado
Algumas risadas e a mistura do
dia seguinte dá pro gasto
Daquele palhacim que disse sim ao
contrário pra si.
E agora remoe o rim pra não ter
fim o rir.
ser sem rosto
Não insista em mandar fotos tuas
pra mim. Não necessito conhecer teus traços! Já me bastam esses longos meses de
esperas, ainda pensar na possibilidade de te ter por apenas por fotos? Não, não
nasci pra isso. Duvidas que, ao te conhecer, desconheças também o amor que
sinto por ti? Ah, como tens o pensamento inavançado. A materialidade enquanto
beleza já não me rebuliça mais, aparências não completam a inexpressividade
alojada em minha face. Fascinante é a vivacidade incolor da tua presença, que
me faz percorrer lares, bares, parques à procura do teu cheiro inpenetrante de
roupa molhada, à procura do sorriso meigo, feroz e estonteante que faz ao me
fisgar nesse teu jogo jocoso, em que só a um jogador, logo, um peão, pronto pra se mover a qualquer
cavalgada desse ser sem rosto que insiste em me mandar fotos.
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
Nojentemente fingidor
"...para falar verdade, eu realmente não queria isso... mas as
circunstâncias, aliás, a vida, me fez barrar, engolir, contorcer aquilo que se
tem de mais precioso: os sonhos. Mas sonho não é besteira? Só devaneios? Coisa
nenhuma, sonho é a tentativa de fugir de uma realidade que, na maioria das
vezes, não se condiz com a realidade. É a esperança viva por dias melhores. O
sonho é individual, mas necessita de mãos e fardos
alheios para a sua concretude. Infelizmente, a ausência de muitos fardos ou até
a sua camuflagem me deixa profundamente aterrorizada, pois, mais uma vez, não vivemos sem o outro, somos seres sociáveis, é a nossa
condição humana. Porém, esses mesmos seres que necessitam dessa alheidade se
vendem, em todos os níveis, por migalhas e se tornam tão pequenos, miseráveis
que a saída viável ou menos barulhenta pra toda essa parafernália é a omissão,
é o fingimento por aquilo que é nojentemente fingidor..."
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